24 junho 2009

Presente perfeito


A doença de sua mãe, dizia, tinha chegado em nível terminal, depois de anos de intensa batalha. As dores, como ondas gigantescas, chegavam insuportáveis nos momentos de pico, mas nem a aplicação de morfina parecia ajudar muito.

Ela, que por formação e personalidade sabia chegar fácil a um estado de resignação, nem por isto deixava de sofrer. Era uma dor de difícil localização e origem, marcando corpo e alma pelas horas insones ao lado de sua mãe, achando fantasmas de culpa por se sentir impotente em aliviar o sofrimento, estupefata pela inversão de papéis nos últimos dias entre elas. Não é a mãe que sempre deve oferecer colo para a filha?

Enquanto ouvia seu relato transbordante de emoções contidas, sentia dentro de mim cordas de um violão reverberando sozinhas, chamando lembranças profundas da partida de minha mãe, apenas meio ano atrás, por causa da mesma doença.

Por já ter vivido isto, o desdobramento da história me parecia um horizonte já visto, mesmo sabendo que cada por de sol é único. Achando pontos de identificação no que dizia, imaginei que talvez pudesse dividir um pouco com ela este momento difícil, em orações e escuta atenta.

Mas havia outro motivo por que me sentia ligado a esta história de luta contra a doença . Quando falava sobre a situação de sua mãe, o fazia com tanto carinho e consideração que fazia-me sentir estar ouvindo a história de uma pessoa importante, digna de todo meu respeito e atenção.

E então veio a notícia inevitável, prevista e surpreendente, que me fez desmarcar compromissos inadiáveis para me despedir daquela que nunca havia tido oportunidade de conhecer.

No velório, uma multidão de gente que parecia dizer com sua presença que estavam lá acima de tudo por causa deles mesmos, pelo sentimento de perda que cada um tinha, pelas lágrimas derramadas pela dor que vinha não de fora deles, mas de dentro de cada um. Não era demonstração apenas de solidariedade, mas de luto pessoal.

As duas irmãs estavam postadas nos lados da mãe, guardiãs protetoras de seu descanso. Suas mãos deslizavam de maneira suave sobre o rosto, num embalo de ninar, como que tocando um bem precioso.

Chegara a hora. No silêncio profundo da despedida, quando palavras são frágeis demais para carregar intensos sentimentos, sonoros estalos, longos e dedicados. Prolongados beijinhos, gordos de carinho, cobriam as duas faces da mãe , como que fazendo consolo a um bebê ferido.

Naquele momento entendi qual é o último presente que gostaria de ganhar na minha vida.

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