11 junho 2009

O Homem Hidropônico


Conversávamos sobre a questão do arrombamento do privado. A sociedade, como um predador, escolhe a presa que passa, a abate e expõe suas entranhas. Faz um trabalho de dissecação, e depois de consumí-la, descarta seus ossos.

A vítima corre porque sabe o perigo de ficar à mercê daquele que quer violar sua intimidade, o que pode significar a destruição de sua vida. Em sentido literal ou metafórico.

Mas existe uma relação ambígua com o predador. Um outro lado seu corre em direção oposta. O predador tem um poder magnetizante que a seduz, como se a entrega e exposição de seu ser inteiro possibilitasse um clímax de existência.

A conversa que mantínhamos sobre a tensão entre a necessidade de preservação e a de exposição de segredos era até então como entre deuses gregos, comentando em tom blasé as complexidades nem sempre harmônicas do ser humano.

Até que começamos a falar de blogs. E então percebemos que este dilema também era nosso. Ela já tinha, e eu pensava em ter. Parecia incoerente. Se protegemos com recato nosso mundo secreto, se cultivamos com cuidado as plantas que florescem em nosso pequeno mundo rarefeito, por que ter blogs?

Conseguimos chegar somente até este ponto. O assunto parecia precisar enveredar-se sobre complexos campos interdisciplinares de conhecimento que não temos domínio.

Hoje, quando decido escrever, continuo sem resposta às nossas indagações. A certeza que fica é apenas de uma sensação, que dá título ao post.

Sempre que pego um vegetal hidropônico, tenho uma sensação de constrangimento e talvez pena dele. Na minha fantasia antropomórfica, ele passou toda sua existência nu, as raízes brancas boiando na água cheia de nutrientes, as intimidades expostas sem segredos. Coloco-me em seu lugar e sinto vergonha por ele.

É com este sentimento que faço meu primeiro post. Talvez mais tarde me acostume com a idéia, e quem sabe até sinta prazer nisto. Mas se isto acontecer, é cura ou degradação?

A figura foi feita por minha amiga, a partir do que "imaginava que eu estava imaginando" quando disse que me sentia um homem hidropônico ao pensar em fazer este blog.

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